domingo, 12 de outubro de 2014

Constipação intestinal na infância e na adolescência

Constipação intestinal na infância e na adolescência
Importância
·         Prevalência (Brasil): 17,5 á 38,5%
·         Constitui a queixa principal em 3% das consultas pediátricas e 24% em gastroenterologia infantil;
·         Uma a cada dez crianças requerem atenção medica para a constipação em alguma época de suas vidas.
Frequência normal das evacuações
                A frequência das evacuações varria com a idade e com o tipo de dieta. O peso, o volume e a consistência fecal dependem entre outros fatores do peso hídrico e a quantidade de fibras da dieta. Quanto menor a criança maior a frequência de evacuações, sendo mais frequentes em bebes que mamam leite materno.

Conceitos
 Constipação intestinal
È a eliminação de fezes endurecidas, como esforço, dor ou dificuldade, associada ou não a aumento do intervalo entre as evacuações, escape fecal (retêm tanto as fezes que faz pressão grande no esfíncter anal) e aumento em torno das fezes. É a presença de um dos seguntes achados por 3 ou mais semanas:
·         Eliminação de fezes endurecidas, ressecadas e calibrosas ;
·         Frequência de evacuações igual ou menor que 2X por semana;
·         Dor e/ou esforço evacuatório acompanhado ou não de sangramento;
·         Escape fecal e/ou encoprese;
·         Presença de fecaloma;
·         Manobras de retenção fecal;
·         Relato de sensação de esvaziamento incompleto do reto
Escape fecal ou soiling: indica a perda involuntária de parcela do conteúdo retal, consequente a fezes impactadas no reto. OBS: escape fecal deve ser caracterizado somente após o quarto ano de vida, entretanto, observam-se também crianças menores com essa manifestação, principalmente, quando o controle do esfíncter anal ocorreu antes do aparecimento da mesma.
Incontinência fecal funcional ou encoprese: pode ser entendida, em analogia com a enurese, como sendo o completo ato de defecação, em sua plena sequencia fisiológica, em local e/ou momento inapropriados, sendo em geral, secundaria a distúrbios psicológicos ou psiquiátricos, em crianças que já adquiriram o controle evacuatório. Deve ocorrer com a frequência de pelo menos 1 vez por mês por mais de 3 meses.
Incontinência fecal: fica reservada para a falta de controle esfincteriano decorrente de causas orgânicas como anomalias anorretais e disfunções neurológicas, como nos pacientes com meningomielocele.
Na prática, a constipação crônica na infância pode ser distribuída em duas categorias: funcional e secundária a distúrbios intestinais e extra-intestinais. A maioria dos casos se enquadra na constipação crônica funcional.
Fisiologia da evacuação
A defecação é um processo fisiológico complexo. Primeiro a entrada do alimento no intestino delgado gera o reflexo gastrocólico (alimento chega ao estomago e colo começa a contrair), que tem a finalidade de transportar o material fecal até o cólon. A contração colônica tem dois movimentos segmentação (tem a finalidade de misturar o conteúdo colônico, facilitando a absorção de agua e de outros nutrientes) e propulsão (empurra o bolo fecal para o reto).  Normalmente o reto não contem fezes, o bolo fecal presente nesse ele distende a parede estimulando receptores que causam relaxamento de esfíncter anal inferior, aumento das ondas peristálticas, relaxamento do assoalho pélvico e contração ou relaxamento do esfíncter anal externo (controle a partir de 1 ano á 6 meses, se ate 4 anos não tiver controle deve-se pesquisar que pode ser patológico). Esse reflexo é conhecido com retoanal, retoesfincteriano ou retoanal inibitório (pode ser avaliado por manometria anorretal). Quando este reflexo é desencadeado, ocorre contração voluntaria do esfíncter anal externo ate que o individuo chegue a um local apropriado para defecar. Se a evacuação não ocorrer as fezes retornam ao sigmoide até o próximo movimento de peristalse.
Fisiopatologia
A constipação ocorre quando alguma dessas etapas não é feita de forma correta. Varias teorias podem explicar a fisiopatologia:
·         Distúrbio de motilidade: pressão esfincteriana elevada, perda de relaxamento do esfíncter anal inferior após distensão retal, sensibilidade retal alterada, redução da propulsão colônica ou combinação dos mecanismos acima;
·         Fatores psíquicos : SNC extremamente envolvido com o sistema digestório;
·         Fatores genéticos;
·         Fatores ambientais: dieta (junk food, pobre em fibras), retenção colônica.
Quando as fezes não são eliminadas, o reto passa a conter fezes progressivamente mais ressecadas e em maior volume (fecaloma). Durante anos esse mecanismo leva á dolico colón (colón muito dilatado) e inercia do cólon. Instala-se assim um ciclo vicioso: o medo de evacuar fezes endurecidas e volumosas faz com que a criança mantenha, inconscientemente, o quadro de retenção fecal. Podendo haver também contração paradoxal dos músculos da pelve (ao invés de relaxarem esses se contraem no momento da defecação- anismo). A retenção fecal crônica acaba por levar a diminuição do limiar de sensibilidade retal.

Classificação
Pode ser classificada de acordo com o tempo de evolução (aguda e crônica) e os mecanismos fisiopatológicos desencadeantes (funcional ou orgânica). A funcional pode ainda ser subclassificada em simples ou idiopática e a orgânica em intestinal e extra-intestinal.
Aguda
Pode ocorrer durante ou após mudança de hábitos: alteração da dieta, viagem, doenças agudas, pós-operatórios (principalmente de procedimentos retais), uso de medicamentos (anticolinérgicos: opiáceos, fenobarbital, sulcralfato, hidróxido de alumínio, anticolinérgicos, antidepressivos tricíclicos e simpatomiméticos).  Geralmente dura 2 semanas e o habito intestinal normal é restabelecido espontaneamente ou após a correção dos fatores desencadeantes. O tratamento é resolução/remoção do fator desencadeante.
Crônica
Constipação intestinal crônica pode ser dividida em funcional ou orgânica.
Constipação intestinal crônica intestinal
É empregada quando não são identificadas causas orgânicas ou estruturais da constipação. O entendimento da interação entre atividade motora, sensorial e nervosa do intestino e o sistema nervoso central possibilitou melhor caracterização dessa entidade. As alterações gastrointestinais funcionais foram classificadas da seguinte forma:
1)      Simples:
É uma condição clinica comum. O diagnostico deve ser considerado em lactentes sadios com duração menor de 6 meses, com esforço e choro por mais de 10 minutos antes da eliminação das fezes durante o treinamento esfincteriano (precoce ou coercivo). Esse quadro é denominado disquesia. É mais comum em meninos com historia familiar de constipação. A causa em meninas é devido ao adiamento do ato evacuatório por constrangimento da utilização de sanitários públicos.  Outra situação é a criança que “não tem tempo para ir ao banheiro”.
2)      Idiopática:
Causa mais comum de constipação na infância. Decorre de repetidas tentativas de evitar a evacuação, devido ao medo de eliminar fezes endurecidas e/ou calibrosas.  Tem forte fator genético, sendo mais comum em pacientes com parentes com constipação.  E pode funcionar com um gatinho para o desenvolvimento e constipação crônica funcional simples, fissura anal, abuso sexual e conflitos familiares. Na tentativa de conceituar o que é constipação intestinal idiopática fez-se um estudo que classificou a constipação:


3)      Orgânica:
Pode ser decorrente de causas orgânicas de origem intestinal por malformações anorretais (criança não recebe alta da maternidade se não evacuar, exemplos seriam as estenoses retais), tumores ou causas extra intestinais como hipotireoidismo, paralisia cerebral, trauma medular, mielomeningocele.
Diagnostico diferencial:
        Deve ser feito com doença de Hirschsprung e constipação intestinal crônica funcional . A doença de Hirschsprung é um megacolôn congênito aglangliônico, sendo mais frequente em meninos e que tem como apresentação usual no RN constipação, distenção abdominal e vômitos. Em lactentes e pré-escolares a doença se caracteriza pela eliminação de fezes com volume diminuído. Outro diagnostico diferencial deve ser feito com síndrome de pseudo-obstrução intestinal, causa rara de constipação intratável.  

A funcional geralmente ocorre após adquirir o controle do esfíncter anal esterno.

Manifestações clínicas
·         Dor na evacuação com choros e gritos;
·         Recusa de usar o vaso sanitário;
·         Eliminação de pequena quantidade de fezes liquidas ou pastosas na roupa intima da criança em intervalos irregulares;
·         Eliminação de fezes volumosas que podem entupir o vaso sanitário;
·         Dor abdominal recorrente;
·         Eliminação de sangue nas fezes (fissuras anais secundarias)
OBS: em lactentes é importante diferir constipação de pesudoconstipação que é a eliminação de fezes amolecidas e amorfas, sem dor nem dificuldade, mas que ocorrem com intervalos que se prolongam por vários dias.
Diagnostico
Anamnese
Contemplar os seguintes quesitos:
·         Frequência de evacuações;
·         Consistência e calibre das fezes (escala de Bristol);
·         Esforço evacuatório;
·         Manobras de retenção fecal;
·         Teor de fibra e líquidos na dieta (idade +5g =11 {limite inferior} quantidade diária ideal de ingestão de fibra/ o valor máximo deve ser de 25g/ a fibra para ter esse efeito deve ser necessariamente ingerida com liquido- menor de ano 1l por dia, de 1 a 3 anos 1,5l de agua);
·         Escape fecal ou encoprese;
·         Sangramento anal/retal;
·         Duração dos sintomas;
·         Fatores associados (criança que não quer almoçar e só quer mamadeira, leite de vaca pode causar constipação);
·         Historia pregressa: fases criticas;
·         Historia pessoal de atopia (PODE SER LEITE DE VACA: proctite alérgica, não mediada por IgE);
·         Historia familiar de constipação ou de atopias.

 Escala de Bristol (formato das fezes)

Sinais e sintomas associados:
·         Dor abdominal recorrente (61%);
·         Escape fecal (45 a 50% e pode ser confundido com diarreia);
·         Sangue nas fezes (35%);
·         Distensão abdominal (26%);
·         Enurese (23%);
·         Vômitos (19%);
·         Infecção urinaria (18%);
·         Retenção urinaria (8%);
·         Constipação oculta (8%).
Exame físico:
Abdome:
·         Inspeção: distensão abdominal (fecalomas e retenção gasosa);
·         Palpação: massas fecais (geralmente na fossa ilíaca esquerda e região hipogástrica);
Períneo
·         Escape fecal, fissuras e malformações;
Ânus
·         Toque retal (sensibilidade nessa região deve ser pesquisa na suspeita de lesão neurológica, verificar tônus anal, o tamanho da ampola retal, a presença de consistência e volume das fezes e compressões extrísecas);
OBS: é importante também realizar o exame neurológico da criança

Exames complementares
Na maioria dos casos não há necessidade de exames complementares.
·         Raio X de abdome em incidência anterior e perfil: permite visualizar distenção de gases, não ver ar na ampola retal (sinal de doença de hisrsunprung, sinal de megacolon congênito), retenção fecal.
·         Raio X lombossacra:  tufos de  cabelo na região lombossacra pensar em espinha bífida (que pode estar associada a constipação intestinal e retenção urinaria) e em casos de retenção fecal com escape de difícil tratamento.
·         Enema baritado (doença de HIsrprung) a técnica usada é a de Neuhauser, que consiste na introdução de pequena quantidade de contraste, sem pressão e sem preparo intestinal prévio, por meio de sonda introduzida alguns centímetros do reto. O achado é de uma zona de transição (deve-se fazer biopsia dessa).
·         Tomografia: tumor, causa orgânica
·         Manometria anorretal: dá certeza do diagnostico da doença de Hirschsprung (tem alteração dessa pressão), permite ainda diagnosticar incontinência fecal e constipação grave. Coloca-se um balão inflável no reto e de receptores de pressão nos esfíncteres anais, e mede-se a pressão sobre eles. Na doença não há fase de relaxamento , a pressão é sempre alta.
Tratamento
Tem o objetivo de interromper o mecanismo de retenção fecal em vários pontos do circulo vicioso.
Não farmacológico:
·         Aumentar a ingesta hídrica (1l/dia para crianças de 10kg e 1,5 á 2 l pra crianças acima de 30kg);
·         Reduzir ou suspender o leite de vaca (em caso de atopia);
·         Probióticos (estudos em crianças não são conclusivos, para ser eficaz deve ter alta concentração que a maioria dos medicamentos não tem, por isso não se indica normalmente esses);
·         Orientar ao paciente e á família (muitos pais acreditam que o escape é proposital e castigam os filhos);
·         Suporte psicológico (principalmente na funcional);
·         Adequar a ingesta de fibras: idade +5g, máxima de 25g/dia (as fibras aumentam a retenção de agua no colón e servem como substrato para o crescimento bacteriano, aumentando assim o bolo fecal).
Alimentos ricos em fibras

Entre as frutas a mais laxante é a ameixa seca. Tratamento biofeedback: educar a criança a defecar (sem revista, apoiar o pé no chão).
Tratamento farmacológico
Acabar com o ciclo da constipação.
Desimpactação:
É essencial para o sucesso do tratamento e consiste na eliminação dos fecalomas. É um procedimento invasivo e muitas vezes difícil de ser realizado pela família. É feito da seguinte maneira
·         Via oral (forma ideal): polietilenoglicol (PM 4000 daltons, sem eletrólitos)- é manipulado, dever ser usado em maiores de 1 ano 1,5g/kg/dia, durante 6 dias; NÃO ADMINISTRAR EM CRIANÇAS MENORES DE 2 ANOS, CRIAÇAS COM RGE, DEFICT NEUROLOGICO E/OU DISTURBIOS DE DEGLUTIÇÃO, POIS PODE LEVAR A PNEUMONIA
·         Óleo mineral, 15 a 30ml/ano de vida (pode provocar pneumonia lipoide exógena) , usar a parti de 2 anos anos de idade (máximo de 240ml), por 3 dias;
·         Via retal: vaselina glicerinada 12%, 10 á 20ml/kg  (máximo 500ml) 1 vez ao dia por 1 a 7 dias.
Laxativos lubrificantes:
A escolha depende da idade da criança e da gravidade da doença. Amolecem as fezes e impedem a impactação.
·         Óleo mineral: 1 a 5 ml/kg/dia, em 1 a 3 doses; (mais de 2 semanas pode prejudicar a absorção de vitaminas lipossolúveis).
Osmóticos:
Contêm íons não absorvíveis que tem efeito osmótico.
·         PEG: 0,5g/Kg/dia
·         Lactulose: 1 a 3 ml/kg/dia, em 1 a 2 doses;
·         Sorbitol: 1 a 3 ml/Kg/dia, em 1 a 2 doses
·         Hidróxido de magnésio: 1 a 3 ml/kg/dia em 1 a 2 doses;
Estimulantes:
Estimulam a secreção intestinal em aumento da motilidade intestinal. Usados como “terapia de resgate”.
Oral: sene 2,5 a 7,5 ml/kg/dia (2 a 6 anos, usar com cautela porque podem lesar o sistema nervoso entérico); 5 a 15mg/kg/dia (6 a 12 anos).
Local: supositório de glicerina.
Usar por tempo curto.


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