Diagnóstico diferencial da dor abdominal na infância
A dor abdominal na infância
Queixa muito
comum na infância. Corresponde a 5-10% dos atendimentos de emergência em
pediatria. Associada a diversas doenças. É importante seu entendimento, pois RN
e lactentes jovens não localizam a dor e exteriorizam essa por meio do choro e
de gritos, inquietação, gemido, flexão dos membros inferiores sobre o abdome,
irritabilidade e expressões faciais de desconforto. Os pré escolares apresentam dificuldade de
caracteriza-la (se é em cólica, surda ou contritiva). Problemas localizados em
outras áreas, particularmente os respiratórios, podem vir acompanhados de dor
abdominal. É um sintoma decorrente de um grande numero de causas que pode
sinalizar para presenças de problemas cirúrgicos e urgentes.
Classificação:
Em relação ao tipo:
·
Orgânica: dor devido a uma causa estrutural.
·
Funcional: dor sem causa estrutural.
Em relação ao tempo:
·
Aguda
·
Crônica e recorrente
Em relação à intensidade:
·
Auto-avaliação: escala de dor;
·
Comportamental: sono, caretas, atividades;
·
Biológicas: FC, FR e sudorese
Anamnese:
Deve-se responder as seguintes
perguntas:
1- A
criança parece grave?
Avaliar o estado
geral, a atividade e o comportamento da criança.
2- Qual
é a idade da criança?
Há maior frequência
se determinadas doenças em certos períodos da infância:
-RN: vômitos
irritabilidade, dificuldade de mamar (o bebe não esta bem).
-Invaginação
intestinal é mais comum em lactentes (intuscepção)
-Apendicite em
escolares e adolescentes
Quadro causas
conforme a idade
3- Há
quanto tempo começou?
Causas de dor aguda:
·
Cólica idiopática do lactente (para ter certeza
que é cólica usar a regra dos três 3: dura pelo menos 3 hs, ocorre pelo menos 3
vezes na semana e ocorre por 3 meses. Lembrar nessa idade a presença de vômito
pode indicar estenose hipertrófica do piloro);
·
Gastroenterite (diarreia aguda): excluída a
cólica no lactentes pensar nessa causa.
·
“Super Alimentação” (não acontece com bebes que
só mamam);
·
Torção testicular;
·
Hérnia encarcerada e invaginação intestinal
(comum entre lactentes entre 3 meses e 2 anos de idade, são cólicas abdominais intensas,
de inicio súbito e de curta duração, que após algumas horas evolui para
eliminação de muco e sangue e as vezes fezes semelhantes a geleia de groselha);
·
Apendicite : dor inicialmente periumbilical,
do tipo cólica, que posteriormente se desloca para a fossa ilíaca direita e
geralmente vem acompanhada de vômitos. O paciente tem febre baixa e a dor é
agravada por deambulação e tosse. Geralmente há presença de leucocitose com
desvio a esquerda.
·
Hepatite;
·
Cólica
menstrual;
·
Púrpura
de Henoch-Shoniein (pode gerar crises dolorosas abdominais);
·
Pneumonia
de base (em RN e lactentes jovens pneumonia por clamydia pode não dar febre nem
alteração em ausculta, o sinal físico mais importante em pneumonia é a
taquipnènia), crise falcêmica, parasitose intestinal.
Causas de dor crônica: difere da dor
aguda por não se tratar de uma emergência cirúrgica. Dor abdominal recorrente
funcional, infecções parasitarias, enxaqueca abdominal são alguns exemplos.
.OBS:
hipóteses de causas de cólica: alergias alimentares (alimentação da mãe:
alergia ao leite de vaca, alergia a leite de soja, peixes e ovos- só suspende a
alimentação da mãe se na família tem historia alergia desses alimentos, pode-se
então fazer o teste de provocamento), ansiedade da mãe, imaturidade do sistema
digestório da criança.
Causas de cor
crônica:
4- Como
começou a dor?
Durante uma
brincadeira, após trauma, sempre que a criança vai para escola, após morte de
um ente querido?
5- Como
é a evolução?
-Localizada há 6
hs na região periumbilical e na ultima hora esta localizada na fossa ilíaca
direita- pensar em apendicite;
-tem inicio
súbito com forte intensidade, dura poucos segundos ou minutos. Há intervalo
assintomático de aproximadamente 20 minutos – quadro clássico de invaginação
intestinal (principalmente na junção do intestino delgado com o grosso).
6- Qual
a localização? Saber as estruturas que estão em cada região.
7- Qual
tipo de dor?
Dor visceral: é mal localizada e
geralmente definida como de posição central no abdome. Criança apresenta-se
inquieta e movimentando-se frequentemente. Pode ser causada por tensão,
esmagamento ou distensão.
·
Ocas: esmagamento e distensão
·
Solidas: distensão/tensão da capsula
É mal localizada:
epigástrio, periumbilical, suprapúbica. É descrita como uma dor em cólica,
queimor, peso ou constrição. Melhora com a flexão do tronco e piora com
apalpação, movimentação ou tração. Pode ser acompanhada de sudorese,
inquietação e náuseas.
Dor parietal: localização mais precisa,
refere-se a doenças intra-abdominais e piora com a movimentação, tosse e
aumento da pressão intrabdominal e manifesta-se como contratura muscular.
Dor referida: é aquela sentida em local
diverso do órgão acometido, mas que tem com ele invervação comum. Fibras
aferentes sensitivas autônomicas e SNC no tegumento corpóreo.
8- Como parece ser a intensidade de dor? Como as crianças tem dificuldade de
caracterizar a dor a intensidade pode ser vista por alguns sinais como: Palidez,
sudorese, perda de interesse nas atividades, ausência de melhora com o uso de
analgésicos e escala de dor.
9- Há sintomas associados? quais? Febre,
vômitos, habito intestinal, disúria, icterícia, equimoses (pensar em purpura), hematúria.
Sinais de
alerta que demostram grau de urgência terapêutica na dor abdominal são: dor
aguda de inicio súbito e inesperado, dor intensa de duração superior a 3hs, dor
acompanhada de eliminação de fezes e gases, dor associada a alterações na eliminação
ou aspecto da urina, distensão abdominal evidente, presença de vômitos
importantes, diarreia aquosa abundante, comprometimento progressivo do estado
geral, relato de dor a palpação do abdome, relato de massa palpável.
Exame
físico
Deve ser completo
com atenção especial para o abdome. O exame do abdome será composto de
inspeção, ausculta, percussão e palpação:
·
Inspeção:
movimento respiratório (ate 6 anos padrão abdominal), distensão abdominal
(globoso ate 2 anos é normal), cicatrizes cirúrgicas, hérnia (a umbilical é
assintomática), peristaltismo intestinal visivel (de luta-pensar em obstrução
intestinal), postura (postura antálgica: posição de flexão da coxa sobre o
abdome pode sugerir psoíte)
OBS: benzoar: ingestão de
substâncias que não são liquidas (ex: tricobenzoar- criança que come cabelo).
·
Ausculta:
peristaltismo (presente, se sim ele esta aumentado ou diminuído- pelo menos 1
ruído em 2 minutos, ou ausente ). Considera-se peristaltismo ausente após
ausculta de 3 minutos. O peristaltismo esta aumentado nas diarreias e a
maontante das obstruções intestinais (peristaltismo de luta). Estão diminuídos
ou ausentes no íleo paralítico, assim como processos irritativos do peritoneo.
·
Percussão:
permite avaliar a sensibilidade (identificação de pontos dolorosos), presença
de timpanismo, macicez (objetivo da percussão é orientar a palpação profunda)
Sinal de jobert: presença de
timpanismo na região da linha hemiclavicular direita onde normalmente se
encontra a macicez hepática, caracterizando um pneumoperitonêo.
OBS: peristaltismo diminuído:
ocorre na peritonite e em distúrbios hidroeletrolíticos.
·
Palpação:
permite identificar áreas de sensibilidade, defesa/contratura, visceromegalias,
massas (tumores abdominais na infância: feocromocitoma, linfomas, tumores
renais, tumores de anexo em meninas) orifícios herniários (diástase da
musculatura do reto abdominal leva a elevação homogênea que não deve ser
confundida com hérnia).
A manobra de
descompressão súbita positiva indica irritação peritoneal.
·
Toque
retal: suspeita de processos intra-abdominais (faz-se em RN que não elimina
mecônico nas primeiras 24hs em caso de parto normal e 48hs em caso de cesárea,
o toque pode estimular a liberação, mal formações também podem ser
identificadas). Utilizar o dedo mínimo.
Qual é o exame diagnostico mais
importante em casos de dor abdominal quando o diagnostico é duvidoso? Exame físico seriado do paciente.
Exames complementares:
Solicitados de acordo com a
suspeita clínica:
-hemograma (anemias, leucocitoses);
- VHS;
-transaminases;
-exame de urina;
-pesquisa de drepanócitos;
-raio X de abdome;
-raio X torácico (duvida da
presença de doença pleuropulmonar);
-US abdominal ou pélvico;
-TC de abdome;
Os dados complementares devem ser
analisados em função do quadro clínico.
OBS: vermes que tem ciclo
pulmonar NASA (necator, ancilostoma, estrongiloídes e áscaris)
Na conduta é importante julgar se
o caso é ou não cirúrgico ou se há duvida e o paciente precisa ser mantido em
observação. Deve-se evitar o uso de medicamentos antes de ter um diagnóstico
provável. Sintomáticos podem ser empregados conforme a necessidade
Dor abdominal recorrente da infância
É a dor que
interfere de modo discreto ou importante nas atividades cotidianas da criança e
se manifesta em episódios recorrentes (pelo menos 1 por mês durante no mínimo 3
meses, com prevalência entre 5 e 15 anos de idade). Ocorrência de 3 ou mais
ataque de dor no abdome, em período superior a 2 meses. A dor é
caracteristicamente periumbilical, aparece qualquer hora do dia, não apresenta
relação com a alimentação ou atividades e raramente se manifesta durante o
sono, acordando a criança. Caracteristicamente estas crianças tendem a ser
introspectivas e ansiosas. É a principal causa de dor crônica entre 4 e 16 anos.
O exame físico apresenta-se normal, mesmo durante as crises, exceto pela
presença de sintomas vagais (palidez) e o curso é benigno.
Do nascimento
até a adolescência ocorrem síndromes dolorosas. Essas queixas de dor acometem
número considerável de crianças, causando sofrimento delas e de seus familares,
além de demandar gastos sociais. No primeiro ano predominam as cólicas, nos
pré-escolares as “dores de crescimento”, entre os 4 e 12 anos as dores
abdominais, e nos adolescentes as cefaléias. Novas causas orgânicas para a dor
abdominal recorrente (DAR) têm sido identificadas. As informações da motricidade
do tubo digestivo na infância começam a crescer.
Está
estabelecido que a dor tem um componente nociceptivo (estruturas nervosas para
receber e transmitir a dor) e um componente emocional (estado mental), ambos
influencia- dos pela genética, experiências individuais e ambiente cultural.
Classificação:
-causa orgânica (5-10%);
- causa funcional (90-95%): não
se estabelece uma causa anatômica, infecciosa, inflamatória não infecciosa ou
bioquímica para a dor.
Esses
episódios devem ser graves o suficiente para interromper as atividades
cotidianas. O paciente mantém-se assintomático entre as crises dolorosas. É um
diagnóstico de exclusão baseado em história clínica detalhada, exame físico
aprimorado e poucos testes laboratoriais.
Pode manifestar-se
com: paroxismos isolados de dor periumbilical, dor no abdome com dispepsia e
dor abdominal com disfunção do tubo digestivo. Sinais e sintomas de dispepsia
incluem náusea, vômito, regurgitação, pirose, saciedade precoce, soluços e
desconforto abdominal. As manifestações de disfunção do tubo digestivo incluem
diarréia, constipação e sensação de evacuação incompleta.
Etiologia:
Tende a ser
considerada como uma entidade em que as causas psicogênicas são as principais
responsáveis, enquanto as causas orgânicas representam uma parcela menor,
variável segundo as características da população.
-predisposição genética;
-disfunção do
SNA (presença de cefaléia, palidez e vertigem);
-o estresse;
-processo inflamatório do tubo
digestivo (encontra-se em todo o tubo digestivo das crianças com DARF processo
inflamatório discreto e inespecífico, causa ou conseqüência da motilidade intestinal
alterada. Esta inflamação afeta funções endócrinas e neurais que influenciam
processos imunológicos.);
As alterações
psíquicas não são causas primárias da DARF, porém, evidentemente, os processos
emocionais funcionam como gatilhos da dor.
Fatores desencadeantes:
-Fatores ambientais: ansiedade da
criança frente a falsos gatinhos de dor (alimentos, condições ambientais e atividades
cotidianas) devido ao pouco conhecimento sobre a dor.
-Fatores comportamentais: geralmente
os pais não sabem como lidar com a dor. Eles respondem de maneira ambígua a
crise dolorosa. Algumas vezes dispensam grandes cuidados físicos e emocionais,
em outros episódios sugerem que o paciente seja o único responsável no manejo
da dor. A criança entende que as manifestações dolorosas devem ser comunicadas
com atitudes exageradas para receber um melhor suporte parental. Este
comportamento mantém a dor. Os pais também encorajam o filho, após as crises, a
não ir à escola, repousar, evitar atividades físicas estressantes, não cumprir
compromissos sociais e não fazer atividades desagradáveis. Dispensam-no das
responsabilidades familiares. Ocorrem, portanto, ganhos secundários que iniciam
ou prolongam o processo doloroso.
-fatores emocionais: A dor de
repetição é de natureza aversiva, causando estresse prolongado na família e no
paciente. A criança torna-se ansiosa, medrosa, frustrada, irada, triste e
deprimi- da. Essas emoções exacerbam o estresse que inicia ou mantém a dor,
criando um círculo vicioso: dor - estresse emocional - dor
Tratamento:
Se
inicia na primeira consulta e tem os seguintes objetivos:
·
esclarecer os pais quanto a autencidade da dor,
não de trata de uma simulação;
·
introduzir o conceito de doença funcional;
·
explicar o possível papel da alteração de
motilidade do tubo digestivo e da sensibilidade visceral na gênese da dor;
·
orientar sobre a relação entre sistema nervoso
central, motilidade e sensibilidade intestinais; o comportamento doloroso deve
ser explicado na perspectiva de um aprendizado social; e) mostrar a benignidade
da DARF;
·
tranqüilizar familiares e a criança quanto à
possibilidade de doenças orgânicas graves;
·
introduzir o conceito de gatilho no
desencadeamento das crises nas doenças funcionais;
·
diagnosticar possíveis fatores do comportamento
da criança que desencadeiam ou pioram o quadro doloroso;
·
abolir os ganhos secundários da dor recorrente
como mimos;
·
aconselhar os pais a ignorar comportamentos
dolorosos não verbais e redirecionar a criança para uma atividade, quando
houver um comunicado verbal da dor;
·
garantir que a vida do paciente seja normal (As
atividades só serão interrompidas no momento da crise);
·
ensinar ao paciente técnicas que diminuam a
intensidade da dor durante as crises, desviando a atenção da percepção
dolorosa, como assoviar, cantar, pular, correr, estalar os dedos, contar ou
fazer cálculos matemáticos com o pensamento;
·
elucidar o que são sinais de alerta, mostrando a
importância da comunicação imediata com o médico quando forem observados;
A criança deve fazer consultas periódicas, principal- mente nos
primeiros 6 meses, para que sejam reforçados e esclarecidos os conceitos de
DARF e as maneiras de lidar com a dor.
O tratamento psiquiátrico só está indicado quando a criança
internalizar de forma extrema o comportamento doloroso (depressão, ansiedade e
baixa autoestima, ou quando verificados sintomas de conversão), não conseguir
levar uma vida normal apesar de terem sido retirados os fatores danosos do
ambiente, ou a família não conseguir lidar com o processo doloroso.
O uso contínuo de medicação (anticolinérgicos, antiespasmódicos,
anticonvulsivantes) no tratamento da DARF não foi comprovado como benéfico, ao
contrário, irá manter o comportamento doloroso. Drogas em crianças com DARF
reforçam o estado de hipocondria e a dependência medicamentosa
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