domingo, 12 de outubro de 2014

Diagnóstico diferencial da dor abdominal na infância

Diagnóstico diferencial da dor abdominal na infância
A dor abdominal na infância
Queixa muito comum na infância. Corresponde a 5-10% dos atendimentos de emergência em pediatria. Associada a diversas doenças. É importante seu entendimento, pois RN e lactentes jovens não localizam a dor e exteriorizam essa por meio do choro e de gritos, inquietação, gemido, flexão dos membros inferiores sobre o abdome, irritabilidade e expressões faciais de desconforto.  Os pré escolares apresentam dificuldade de caracteriza-la (se é em cólica, surda ou contritiva). Problemas localizados em outras áreas, particularmente os respiratórios, podem vir acompanhados de dor abdominal. É um sintoma decorrente de um grande numero de causas que pode sinalizar para presenças de problemas cirúrgicos e urgentes.
Classificação:
Em relação ao tipo:
·         Orgânica: dor devido a uma causa estrutural.
·         Funcional: dor sem causa estrutural.
Em relação ao tempo:
·         Aguda
·         Crônica e recorrente
Em relação à intensidade:
·         Auto-avaliação: escala de dor;
·         Comportamental: sono, caretas, atividades;
·         Biológicas: FC, FR e sudorese
Anamnese:
Deve-se responder as seguintes perguntas:
1-      A criança parece grave?
Avaliar o estado geral, a atividade e o comportamento da criança.
2-      Qual é a idade da criança?
Há maior frequência se determinadas doenças em certos períodos da infância:
-RN: vômitos irritabilidade, dificuldade de mamar (o bebe não esta bem).
-Invaginação intestinal é mais comum em lactentes (intuscepção)
-Apendicite em escolares e adolescentes



Quadro causas conforme a idade


3-      Há quanto tempo começou?
Causas de dor aguda:
·         Cólica idiopática do lactente (para ter certeza que é cólica usar a regra dos três 3: dura pelo menos 3 hs, ocorre pelo menos 3 vezes na semana e ocorre por 3 meses. Lembrar nessa idade a presença de vômito pode indicar estenose hipertrófica do piloro);
·         Gastroenterite (diarreia aguda): excluída a cólica no lactentes pensar nessa causa.
·         “Super Alimentação” (não acontece com bebes que só mamam);
·         Torção testicular;
·         Hérnia encarcerada e invaginação intestinal (comum entre lactentes entre 3 meses e 2 anos de idade, são cólicas abdominais intensas, de inicio súbito e de curta duração, que após algumas horas evolui para eliminação de muco e sangue e as vezes fezes semelhantes a geleia de groselha);
·          Apendicite : dor inicialmente periumbilical, do tipo cólica, que posteriormente se desloca para a fossa ilíaca direita e geralmente vem acompanhada de vômitos. O paciente tem febre baixa e a dor é agravada por deambulação e tosse. Geralmente há presença de leucocitose com desvio a esquerda.
·          Hepatite;
·          Cólica menstrual;
·          Púrpura de Henoch-Shoniein (pode gerar crises dolorosas abdominais);
·          Pneumonia de base (em RN e lactentes jovens pneumonia por clamydia pode não dar febre nem alteração em ausculta, o sinal físico mais importante em pneumonia é a taquipnènia), crise falcêmica, parasitose intestinal.

Causas de dor crônica: difere da dor aguda por não se tratar de uma emergência cirúrgica. Dor abdominal recorrente funcional, infecções parasitarias, enxaqueca abdominal são alguns exemplos.
.OBS: hipóteses de causas de cólica: alergias alimentares (alimentação da mãe: alergia ao leite de vaca, alergia a leite de soja, peixes e ovos- só suspende a alimentação da mãe se na família tem historia alergia desses alimentos, pode-se então fazer o teste de provocamento), ansiedade da mãe, imaturidade do sistema digestório da criança.

Causas de cor crônica:

4-      Como começou a dor?
Durante uma brincadeira, após trauma, sempre que a criança vai para escola, após morte de um ente querido?
5-      Como é a evolução?
-Localizada há 6 hs na região periumbilical e na ultima hora esta localizada na fossa ilíaca direita- pensar em apendicite;
-tem inicio súbito com forte intensidade, dura poucos segundos ou minutos. Há intervalo assintomático de aproximadamente 20 minutos – quadro clássico de invaginação intestinal (principalmente na junção do intestino delgado com o grosso).
6-      Qual a localização? Saber as estruturas que estão em cada região.
7-      Qual tipo de dor?
Dor visceral: é mal localizada e geralmente definida como de posição central no abdome. Criança apresenta-se inquieta e movimentando-se frequentemente. Pode ser causada por tensão, esmagamento ou distensão.
·         Ocas: esmagamento e distensão
·         Solidas: distensão/tensão da capsula
É mal localizada: epigástrio, periumbilical, suprapúbica. É descrita como uma dor em cólica, queimor, peso ou constrição. Melhora com a flexão do tronco e piora com apalpação, movimentação ou tração. Pode ser acompanhada de sudorese, inquietação e náuseas.
                Dor parietal: localização mais precisa, refere-se a doenças intra-abdominais e piora com a movimentação, tosse e aumento da pressão intrabdominal e manifesta-se como contratura muscular.
                Dor referida: é aquela sentida em local diverso do órgão acometido, mas que tem com ele invervação comum. Fibras aferentes sensitivas autônomicas e SNC no tegumento corpóreo.
       8- Como parece ser a intensidade de dor?  Como as crianças tem dificuldade de caracterizar a dor a intensidade pode ser vista por alguns sinais como: Palidez, sudorese, perda de interesse nas atividades, ausência de melhora com o uso de analgésicos e escala de dor.
      9- Há sintomas associados? quais? Febre, vômitos, habito intestinal, disúria, icterícia, equimoses (pensar em purpura), hematúria.
Sinais de alerta que demostram grau de urgência terapêutica na dor abdominal são: dor aguda de inicio súbito e inesperado, dor intensa de duração superior a 3hs, dor acompanhada de eliminação de fezes e gases, dor associada a alterações na eliminação ou aspecto da urina, distensão abdominal evidente, presença de vômitos importantes, diarreia aquosa abundante, comprometimento progressivo do estado geral, relato de dor a palpação do abdome, relato de massa palpável.
 Exame físico
Deve ser completo com atenção especial para o abdome. O exame do abdome será composto de inspeção, ausculta, percussão e palpação:
·         Inspeção: movimento respiratório (ate 6 anos padrão abdominal), distensão abdominal (globoso ate 2 anos é normal), cicatrizes cirúrgicas, hérnia (a umbilical é assintomática), peristaltismo intestinal visivel (de luta-pensar em obstrução intestinal), postura (postura antálgica: posição de flexão da coxa sobre o abdome pode sugerir psoíte)
OBS: benzoar: ingestão de substâncias que não são liquidas (ex: tricobenzoar- criança que come cabelo).
·         Ausculta: peristaltismo (presente, se sim ele esta aumentado ou diminuído- pelo menos 1 ruído em 2 minutos, ou ausente ). Considera-se peristaltismo ausente após ausculta de 3 minutos. O peristaltismo esta aumentado nas diarreias e a maontante das obstruções intestinais (peristaltismo de luta). Estão diminuídos ou ausentes no íleo paralítico, assim como processos irritativos do peritoneo.
·         Percussão: permite avaliar a sensibilidade (identificação de pontos dolorosos), presença de timpanismo, macicez (objetivo da percussão é orientar a palpação profunda)
Sinal de jobert: presença de timpanismo na região da linha hemiclavicular direita onde normalmente se encontra a macicez hepática, caracterizando um pneumoperitonêo.
OBS: peristaltismo diminuído: ocorre na peritonite e em distúrbios hidroeletrolíticos.
·         Palpação: permite identificar áreas de sensibilidade, defesa/contratura, visceromegalias, massas (tumores abdominais na infância: feocromocitoma, linfomas, tumores renais, tumores de anexo em meninas) orifícios herniários (diástase da musculatura do reto abdominal leva a elevação homogênea que não deve ser confundida com hérnia).
A manobra de descompressão súbita positiva indica irritação peritoneal.
·         Toque retal: suspeita de processos intra-abdominais (faz-se em RN que não elimina mecônico nas primeiras 24hs em caso de parto normal e 48hs em caso de cesárea, o toque pode estimular a liberação, mal formações também podem ser identificadas). Utilizar o dedo mínimo.
Qual é o exame diagnostico mais importante em casos de dor abdominal quando o diagnostico é duvidoso?  Exame físico seriado do paciente.
Exames complementares:
Solicitados de acordo com a suspeita clínica:
-hemograma (anemias, leucocitoses);
- VHS;
-transaminases;
-exame de urina;
-pesquisa de drepanócitos;
-raio X de abdome;
-raio X torácico (duvida da presença de doença pleuropulmonar);
-US abdominal ou pélvico;
-TC de abdome;
Os dados complementares devem ser analisados em função do quadro clínico.
OBS: vermes que tem ciclo pulmonar NASA (necator, ancilostoma, estrongiloídes e áscaris)
Na conduta é importante julgar se o caso é ou não cirúrgico ou se há duvida e o paciente precisa ser mantido em observação. Deve-se evitar o uso de medicamentos antes de ter um diagnóstico provável. Sintomáticos podem ser empregados conforme a necessidade
Dor abdominal recorrente da infância
É a dor que interfere de modo discreto ou importante nas atividades cotidianas da criança e se manifesta em episódios recorrentes (pelo menos 1 por mês durante no mínimo 3 meses, com prevalência entre 5 e 15 anos de idade). Ocorrência de 3 ou mais ataque de dor no abdome, em período superior a 2 meses. A dor é caracteristicamente periumbilical, aparece qualquer hora do dia, não apresenta relação com a alimentação ou atividades e raramente se manifesta durante o sono, acordando a criança. Caracteristicamente estas crianças tendem a ser introspectivas e ansiosas. É a principal causa de dor crônica entre 4 e 16 anos. O exame físico apresenta-se normal, mesmo durante as crises, exceto pela presença de sintomas vagais (palidez) e o curso é benigno.
Do nascimento até a adolescência ocorrem síndromes dolorosas. Essas queixas de dor acometem número considerável de crianças, causando sofrimento delas e de seus familares, além de demandar gastos sociais. No primeiro ano predominam as cólicas, nos pré-escolares as “dores de crescimento”, entre os 4 e 12 anos as dores abdominais, e nos adolescentes as cefaléias. Novas causas orgânicas para a dor abdominal recorrente (DAR) têm sido identificadas. As informações da motricidade do tubo digestivo na infância começam a crescer.
Está estabelecido que a dor tem um componente nociceptivo (estruturas nervosas para receber e transmitir a dor) e um componente emocional (estado mental), ambos influencia- dos pela genética, experiências individuais e ambiente cultural.
Classificação:
-causa orgânica (5-10%);
- causa funcional (90-95%): não se estabelece uma causa anatômica, infecciosa, inflamatória não infecciosa ou bioquímica para a dor.
Esses episódios devem ser graves o suficiente para interromper as atividades cotidianas. O paciente mantém-se assintomático entre as crises dolorosas. É um diagnóstico de exclusão baseado em história clínica detalhada, exame físico aprimorado e poucos testes laboratoriais.
Pode manifestar-se com: paroxismos isolados de dor periumbilical, dor no abdome com dispepsia e dor abdominal com disfunção do tubo digestivo. Sinais e sintomas de dispepsia incluem náusea, vômito, regurgitação, pirose, saciedade precoce, soluços e desconforto abdominal. As manifestações de disfunção do tubo digestivo incluem diarréia, constipação e sensação de evacuação incompleta.
Etiologia:
                Tende a ser considerada como uma entidade em que as causas psicogênicas são as principais responsáveis, enquanto as causas orgânicas representam uma parcela menor, variável segundo as características da população.
-predisposição genética;
-disfunção do SNA (presença de cefaléia, palidez e vertigem);
-o estresse;
-processo inflamatório do tubo digestivo (encontra-se em todo o tubo digestivo das crianças com DARF processo inflamatório discreto e inespecífico, causa ou conseqüência da motilidade intestinal alterada. Esta inflamação afeta funções endócrinas e neurais que influenciam processos imunológicos.);
As alterações psíquicas não são causas primárias da DARF, porém, evidentemente, os processos emocionais funcionam como gatilhos da dor.
Fatores desencadeantes:
-Fatores ambientais: ansiedade da criança frente a falsos gatinhos de dor (alimentos, condições ambientais e atividades cotidianas) devido ao pouco conhecimento sobre a dor.
-Fatores comportamentais: geralmente os pais não sabem como lidar com a dor. Eles respondem de maneira ambígua a crise dolorosa. Algumas vezes dispensam grandes cuidados físicos e emocionais, em outros episódios sugerem que o paciente seja o único responsável no manejo da dor. A criança entende que as manifestações dolorosas devem ser comunicadas com atitudes exageradas para receber um melhor suporte parental. Este comportamento mantém a dor. Os pais também encorajam o filho, após as crises, a não ir à escola, repousar, evitar atividades físicas estressantes, não cumprir compromissos sociais e não fazer atividades desagradáveis. Dispensam-no das responsabilidades familiares. Ocorrem, portanto, ganhos secundários que iniciam ou prolongam o processo doloroso.
-fatores emocionais: A dor de repetição é de natureza aversiva, causando estresse prolongado na família e no paciente. A criança torna-se ansiosa, medrosa, frustrada, irada, triste e deprimi- da. Essas emoções exacerbam o estresse que inicia ou mantém a dor, criando um círculo vicioso: dor - estresse emocional - dor
Tratamento:
                Se inicia na primeira consulta e tem os seguintes objetivos:
·         esclarecer os pais quanto a autencidade da dor, não de trata de uma simulação;
·         introduzir o conceito de doença funcional;
·         explicar o possível papel da alteração de motilidade do tubo digestivo e da sensibilidade visceral na gênese da dor;
·         orientar sobre a relação entre sistema nervoso central, motilidade e sensibilidade intestinais; o comportamento doloroso deve ser explicado na perspectiva de um aprendizado social; e) mostrar a benignidade da DARF;
·         tranqüilizar familiares e a criança quanto à possibilidade de doenças orgânicas graves;
·         introduzir o conceito de gatilho no desencadeamento das crises nas doenças funcionais;
·         diagnosticar possíveis fatores do comportamento da criança que desencadeiam ou pioram o quadro doloroso;
·         abolir os ganhos secundários da dor recorrente como mimos;
·         aconselhar os pais a ignorar comportamentos dolorosos não verbais e redirecionar a criança para uma atividade, quando houver um comunicado verbal da dor;
·         garantir que a vida do paciente seja normal (As atividades só serão interrompidas no momento da crise);
·         ensinar ao paciente técnicas que diminuam a intensidade da dor durante as crises, desviando a atenção da percepção dolorosa, como assoviar, cantar, pular, correr, estalar os dedos, contar ou fazer cálculos matemáticos com o pensamento;
·         elucidar o que são sinais de alerta, mostrando a importância da comunicação imediata com o médico quando forem observados;
A criança deve fazer consultas periódicas, principal- mente nos primeiros 6 meses, para que sejam reforçados e esclarecidos os conceitos de DARF e as maneiras de lidar com a dor.
O tratamento psiquiátrico só está indicado quando a criança internalizar de forma extrema o comportamento doloroso (depressão, ansiedade e baixa autoestima, ou quando verificados sintomas de conversão), não conseguir levar uma vida normal apesar de terem sido retirados os fatores danosos do ambiente, ou a família não conseguir lidar com o processo doloroso.

O uso contínuo de medicação (anticolinérgicos, antiespasmódicos, anticonvulsivantes) no tratamento da DARF não foi comprovado como benéfico, ao contrário, irá manter o comportamento doloroso. Drogas em crianças com DARF reforçam o estado de hipocondria e a dependência medicamentosa

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