– Giardia
INTRODUÇÃO
O
gênero Giardia inclui flagelados parasitos do intestino delgado de mamíferos,
aves, répteis e anfíbios. A dificuldade em se determinar precisamente as
espécies de Giardia isoladas de
diferentes hospedeiros tem sido um fator limitante para o estabelecimento do
potencial zoonótico da giardíase e para esclarecer a possibilidade da
existência de animais que possam participar como reservatórios de Giardia. As denominações Giardia lamblia, Giardia duodenalis e Giardia
intestinalis têm sido empregadas como sinonímia. A Giardia lamblia é reconhecida, atualmente, como um dos principais
parasitos humanos, principalmente, nos países em desenvolvimento. Nessas
áreas, a giardíase é uma das causas mais comuns de diarréia entre crianças, que
em conseqüência da infecção, muitas vezes, apresentam problemas de má nutrição
e retardo no desenvolvimento. Além disso, nos países desenvolvidos, Giardia é o parasito intestinal mais
comumente encontrado nos humanos.
MORFOLOGIA
G. lamblia é um parasito monoxeno de ciclo biológico direto. A
via normal de infecção do homem é a ingestão de cistos. Após a ingestão do
cisto, o desencistamento é iniciado no meio ácido do estômago e completado no
duodeno e jejuno, onde ocorre a colonização do intestino delgado pelos
trofozoítos. Os trofozoítos se multiplicam por divisão binária longitudinal. O
ciclo se completa pelo encistamento do parasito e sua eliminação para o meio
exterior. Tal processo pode se iniciar no baixo íleo, mas o ceco é considerado
o principal sítio de encistamento. Ao redor do trofozoíto é secretada pelo
parasito uma membrana cística resistente, que tem quitina na sua composição.
Dentro do cisto ocorre nucleotomia, podendo ele apresentar-se então com quatro
núcleos. Os cistos são resistentes e, em condições favoráveis de temperatura e
umidade, podem sobreviver, pelo menos, dois meses no meio ambiente Quando o trânsito
intestinal está acelerado, é possivel encontrar trofozoítos nas fezes.
TRANSMISSÃO
A via
normal de infecção do homem é a ingestão de cistos maduros, que podem ser
transmitidos por um dos seguintes mecanismos: ingestão de águas superficiais
sem tratamento ou deficientemente tratadas (apenas cloro); alimentos
contaminados; esses alimentos também podem ser contaminados por cistos
veiculados por moscas e baratas; de pessoa a pessoa, em locais de aglomeração humana
ou contato com algum indivíduo infectado; através de contatos homossexuais e
por contato com animais domésticos infectados com Giardia de morfologia semelhante à humana.
IMUNIDADE
O desenvolvimento
de imunidade protetora na giardíase é sugerido a partir de evidências, como:
(1) a natureza autolimitante da infecção; (2) a detecção de anticorpos
específicos anti-Giardia nos soros de
indivíduos infectados; (3) a participação de monócitos citotóxicos na
modulação da resposta imune; (4) a maior suscetibilidade de indivíduos imunocomprometidos à infecção; (5) a menor suscetibilidade dos indivíduos de
áreas endêmicas à infecção, quando comparados com os visitantes. Contudo,
relativamente pouco ainda é sabido sobre como o hospedeiro responde à infecção
por Giardia e como o parasita
sobrevive aos mecanismos de defesa do hospedeiro.
Anticorpos
IgG, IgM e IgA anti-Giardia têm sido
detectados no soro de indivíduos com giardíase. Além dos anticorpos
circulantes, estudos têm relacionado a participação de IgA secretória na imunidade local a nível de
mucosa intestinal, diminuindo a capacidade de adesão dos trofozoítos à superfície das células do epitélio
intestinal. O aumento da frequência de giardíase em indivíduos com alterações
na imunidade humoral, particularmente
nas deficiências de IgA e IgG, sugere que estas imunoglobulinas participem da eliminação de Giardia.
A
defesa do organismo se daria, portanto, em dois níveis: após o desencistamento,
trofozoítos na luz intestinal tornam-se aderentes ao epitélio e podem invadir a
mucosa quando encontram os macrófagos que são espontaneamente citotóxicos para
os parasitos. Neste nível, a defesa, que pode ser aumentada pelas linfocinas
(produzidas por linfócitos T), é suficiente para destruir os parasitos na
maioria dos indivíduos. Se os trofozoítos escapam dessa resposta, outras células
(granulócitos) irão interagir com os trofozoítos, na presença de anticorpo
anti-Giardia (IgG). Este mecanismo parece
ser muito importante em infecções prolongadas.
O
desenvolvimento de resposta imune para o controle da infecção por Giardia pode estar associado ao reconhecimento
de antígenos relevantes do parasita.
SINTOMATOLOGIA
A
giardíase apresenta um espectro clínico diverso, que varia desde indivíduos
assintomáticos até pacientes sintomáticos que podem apresentar um quadro de
diarréia aguda e autolimitante, ou um quadro de diarréia persistente, com
evidência de má-absorção e perda de peso, que muitas vezes não responde ao
tratamento específico. Aparentemente, essa variabilidade é multifatorial, e tem
sido atribuída a fatores associados ao parasito (cepa, número de cistos
ingeridos) e ao hospedeiro (resposta imune, estado nutricional, pH do suco gástrico, associação com a
microbita intestinal).
A
maioria das infecções é assintomática e ocorre tanto em adultos quanto em crianças,
que muitas vezes podem eliminar cistos nas fezes por um período de até seis
meses (portadores assintomáticos).
Entre
alguns pacientes que desenvolvem sintomas, a giardíase pode apresentar-se sob
forma aguda. Geralmente, na primoinfecção, a ingestão de um elevado número de
cistos é capaz de provocar diarréia do tipo aquosa, explosiva, de odor fétido,
acompanhada de gases com distensão e dores abdominais. Muco e sangue aparecem
raramente nas fezes. Essa forma aguda dura poucos dias e seus sintomas iniciais
podem ser confundidos com aqueles das diarreias dos tipos viral e bacteriano.
Essa forma é muito comum entre viajantes originários de áreas de baixa
endemicidade que visitam áreas endêmicas.
Apesar
de a infecção ser autolimitante na maioria dos indivíduos sadios, 30 a 50% podem desenvolver
diarreia crônica acompanhada de esteatorreia, perda de peso e problemas de
má-absorção. As principais complicações da giardíase crônica estão associadas à
má absorção de gordura e de nutrientes, como vitaminas lipossolúveis (A, D, E,
K), vitamina B12, ferro, xilose e lactose. Essas deficiências
nutricionais raramente produzem danos sérios nos adultos, contudo em crianças,
podem ter efeitos graves.
PATOGENIA
Os
mecanismos pelos quais a Giardia causa diarreia e má absorção intestinal não
são bem conhecidos. Podem ocorrer mudanças na arquitetura da mucosa: ela pode
se apresentar completamente normal ou com atrofia parcial ou total das
vilosidades. Mesmo que a mucosa se apresente morfologicamente normal, tem-se
detectado lesões nas microvilosidades das células intestinais.
Os
trofozoítos de Giardia aderidos ao
epitélio intestinal podem romper e distorcer as microvilosidades do lado que o
disco adesivo entra em contato com a membrana da célula. Na verdade, Giardia contém várias proteases, algumas
delas capazes de agir sobre as glicoproteínas da superfície das células
epiteliais e romper a integridade da membrana. Entretanto, a explicação mais
plausível para a alteração morfológica e funcional do epitélio intestinal é
dada pelos processos inflamatórios aí desencadeados pelo parasito, devido à
reação imune do hospedeiro.
O
parasito entra em contato com macrófagos que ativam os linfócitos T que, por
sua vez, ativam os linfócitos B que produzem IgA e IgE. A IgE se liga aos mastócitos,
presentes na superfície da mucosa intestinal, provocando a degranulação dessas
células e a liberação de várias
substâncias, entre elas a histamina. Desta forma, é desencadeada uma
reação anafilática local (reação de hipersensibilidade), que provoca edema da
mucosa e contração de seus músculos lisos, levando a um aumento da motilidade
do intestino, o que poderia explicar o aumento da renovação dos enterócitos. As
vilosidades ficam assim repletas de células imaturas (deficientes em enzimas)
levando a problemas de má absorção e, consequentemente, à diarreia. Por outro
lado, os mastócitos também liberam fatores ativadores de eosinófilos e neutrófilos,
que agem mais tardiamente, provocando um aumento dessas células no local da
reação, dando origem a uma reação inflamatória local, que pode ocasionar a
lesão das células epiteliais.
O
atapetamento da mucosa por um grande numero de trofozoítos impedindo a absorção
de alimentos, além de desencadear a diarreia.
Não
há uma única explicação para a diarréia e a má absorção características nas
infecções por Giardia. Na verdade,
todo o processo parece ser multifatorial, envolvendo fatores associados às
alterações da mucosa, bem como fatores do próprio ambiente intestinal.
DIAGNÓSTICO
CLÍNICO
Em
crianças de oito meses a 10-12 anos, a sintomatologia mais indicativa de
giardíase é diarreia com esteatorreia, irritabilidade, insônia, náuseas e
vômitos, perda de apetite (acompanhada ou não de emagrecimento) e dor
abdominal. Apesar desses sintomas serem bastante característicos, é conveniente
a comprovação por exames laboratoriais.
LABORATORIAL
Parasitológico
Deve-se
fazer o exame de fezes nos pacientes para a identificação de cistos ou
trofozoítos nas fezes. Os cistos são encontrados nas fezes da maioria dos
indivíduos com giardíase, enquanto o encontro de trofozoítos é menos frequente,
e está, geralmente, associado às infecções sintomáticas, sendo que em fezes formadas
predominam cistos e nas fezes diarreicas, os trofozoítos.
Um
aspecto importante com relação ao diagnóstico da giardíase é o fato de que
indivíduos parasitados não eliminam cistos continuadamente. Esta eliminação intermitente
de cistos nas fezes denomina-se "período negativo" e pode durar em
média dez dias. Além disso, o padrão de excreção de cis- tos varia de indivíduo
para indivíduo. Para contornar essas limitações, alguns autores têm sugerido o
exame de três amostras fecais em dias alternados.
Imunológico
Os
métodos imunológicos mais empregados são a imunofluorescência indireta e o
método ELISA. A detecção de anticorpos anti-Giardia
no soro tem apresentado problemas relacionados com a ocorrência de falso-positivos
e baixas sensibilidade e especificidade. Nessas reações, anticorpos IgG
permanecem elevados por um longo
período, o que impede a distinção entre infecções passadas e recentes,
dificuldando o diagnóstico nas áreas endêmicas.
A
detecção de antígenos nas fezes
empregando a técnica de ELISA tem demonstrado resultados satisfatórios.
EPIDEMIOLOGIA
A
giardíase é encontrada no mundo todo, principalmente entre crianças de oito
meses a 10-12 anos. A alta prevalência observada em crianças pode ser devida à
falta de hábitos higiênicos nessa idade; quanto ao adulto, parece que uma
infecção com esse parasito pode conferir certo grau de resistência às infecções
subsequentes. Altas prevalências são encontradas em regiões tropicais e
subtropicais e entre pessoas de baixo nível econômico. No nosso país a prevalência
é de 4% a 30%.
Alguns
aspectos atuais devem ser considerados na epidemiologia dessa parasitose:
1.
Esta infecção é frequentemente adquirida pela inges- tão de cisto na água proveniente
de rede pública, com defeitos no sistema de tratamento ou águas superficiais de
minas, riachos ou reservatórios de água não-tratada ou insuficientemente tratada
(só cloração).
2.
Giardia tem sido reconhecido como um
dos agentes etiológicos da "diarréia dos viajantes" que viajam para
zonas endêmicas.
3.
Um dos meios de transmissão recentemente descritos é a transmissão fecal-oral.
4.
O encontro, em animais, de espécies de Giardia
semelhantes à G. lamblia e a
possibilidade de algumas dessas espécies infectarem experimentalmente o homem e
o cão sugerem a possibilidade da existência
de reservatórios de Giardia para o homem.
5.
O cisto resiste até dois meses no meio exterior, em boas condições de umidade e
temperatura. É resistente ao processo de cloração da água e sobrevive durante
muito tempo embaixo das unhas.
6.
As crianças brincando em local contaminado se infectam com facilidade ao
levarem a mão à boca.
8.
As creches são ambientes que apresentam certas condições que favorecem a
transmissão de Giardia.
9. Babás e manipuladores de alimentos crus podem
ser fonte de infecção.
PROFILAXIA
São
recomendadas medidas de higiene pessoal (lavar as mãos), destino correto das
fezes (fossas, rede de esgoto), proteção dos alimentos e tratamento da água. Deve-se
lembrar que a água pode ser contaminada na sua distribuição à população. Embora
existam evidências de que os cistos resistem à cloração da água, eles são
destruídos em água fervente. Identificar e tratar os animais domésticos
infectados por Giardia
morfologicarnente semelhante a do homem evitando a transmissão direta entre
esses hospedeiros. Além disso, é importante o tratamento precoce do doente,
procurando-se também diagnosticar a fonte de infecção e tratá-la.
TRATAMENTO
O tratamento
da giardíase é realizado com metronidazol, tinidazol, omidazol e secnidazol.
Recentemente, alguns anti-helmínticos, do grupo dos benzimidazóis (mebendazol e
albendazol), têm sido empregados no tratamento da giardíase.
Quando
o parasito apresenta resistência à terapêutica, isto é, quando após o uso de determinado
medicamento há remissão parcial dos sintomas e apenas redução do número de
cistos, recomenda-se dar um intervalo de cinco a dez dias para eliminação do
primeiro medicamento e completar a terapêutica com outro princípio ativo.
Os
medicamentos contra a giardíase em geral não são bem aceitos pelas crianças
devido ao gosto desagradável; alguns pacientes podem apresentar sintomas
gastrointestinais e, raramente, vômitos. Deve-se evitar o uso de bebidas
alcoólicas durante o tratamento.
Pq vcs falam da transmissão por contato homossexual? Seria por relação anal não seria? Não são apenas homossexuais q fazem sexo anal... achei a colocação estranha.
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